Thursday, July 1, 2010

A face ocultada do futebol

A TV Brasil e a TV Câmara mostraram alguns aspectos da face do futebol
que é ocultada pela TV comercial. Sócrates, o capitão da seleção
brasileira de 1982 e o jornalista José Cruz, levantaram algumas pontas
do véu que cobre, não apenas o futebol, mas grande parte de toda a
estrutura esportiva existente no Brasil. Laurindo Lalo Leal Filho

Está no ar o maior espetáculo de televisão. Em audiência nada bate a
Copa do Mundo. Na Alemanha, em 2006, os 64 jogos foram vistos por 26
bilhões de telespectadores, número que neste ano pode alcançar os 30
bilhões.



São 60 bilhões de olhos vendidos pela FIFA para as emissoras de TV
comercializarem com os seus anunciantes. As cifras envolvidas em
dinheiro são estratosféricas. Ganham a Federação internacional, as
empresas de televisão e os anunciantes reforçando marcas e alavancando
a venda de produtos e serviços.



Um ciclo perfeito, onde nada pode ser criticado. Normalmente, a TV no
Brasil não critica os jogos transmitidos já que, dentro da lógica
empresarial, seria um contrasenso mostrar defeitos do próprio produto.
E o futebol, para a TV, nada mais é do que um dos seus produtos, assim
como as novelas e os programas de auditório.



Dessa forma se todos ganham e não há criticas, o grande espetáculo do
futebol, em sua dimensão máxima que é a Copa do Mundo, chegaria as
raias da perfeição. Pelo menos é que mostra a TV.

Mas, e ainda bem que há um mas nessa história, a TV Brasil e a TV
Câmara mostraram no programa VerTV alguns aspectos da face do futebol
que é ocultada pela TV comercial. Sócrates, o capitão da seleção
brasileira de 1982 e o jornalista José Cruz, levantaram algumas pontas
do véu que cobre, não apenas o futebol, mas grande parte de toda a
estrutura esportiva existente no Brasil.

Para começar não é verdade que todos ganham. Há quem perda, e são
muitos. Por exemplo, os jovens que por força da TV associam desde cedo
o sucesso esportivo com o consumo de cerveja. Ou desprezam o estudo,
uma vez que seus ídolos não precisaram dele para alcançar a glória e a
fama.

No programa, Sócrates foi enfático: “A TV vende o sonho do consumo.
Vende atitude, aparência, comportamento, moda. Mas, é incapaz de
vender educação. E vender esporte sem educação é um crime. Mostram
ídolos do futebol que não estudam e são um péssimo exemplo para a
sociedade. E não por culpa deles apenas. O sistema estimula que saiam
da escola”.

Afirmação que desperta uma curiosidade. A mídia revela diariamente
minúcias da vida dos jogadores. Onde vivem, que carros possuem, como
são suas casas e suas famílias. Só não dizem até que ano estudaram, em
quais escolas, como eram enquanto alunos. Por que será? Sócrates
responde: “a ignorância dos jogadores é estimulada pelo sistema. A ele
não interessam profissionais com possibilidade de critica”.

O jornalista José Cruz mostra outras perdas. De toda a sociedade. Por
exemplo, com a irresponsabilidade dos dirigentes esportivos nos
clubes, federações e confederações. Embora privadas, essas entidades
recebem dinheiro público e, por isso, deveriam prestar contas
publicamente. “As loterias esportivas repassam dinheiro para o
futebol. A Timemania está hoje tapando o buraco das dívidas fiscais
dos clubes produzidas por dirigentes irresponsáveis”.

E mostra outras perdas sociais. A do dinheiro público desperdiçado,
por exemplo, nos Jogos Panamericanos do Rio, em 2007. Dá dois exemplos
retirados do relatório do Tribunal de Contas da União: “a compra de 5
mil tochas para serem acesas no evento, das quais só chegaram 500 e,
ainda assim apenas 380 foram aproveitadas e a descoberta, depois dos
Jogos, pelos auditores do TCU, de 880 caixas contendo aparelhos de ar
condicionado que sequer foram abertas. E tudo isso segue impune”.

Tanto Sócrates, como José Cruz, alertam para o fato da seleção
nacional e dos seus jogos serem eventos públicos que, no entanto,
estão totalmente privatizados. “A seleção brasileira – que usa as
cores, o hino e a bandeira do nosso pais – deveria ter parte de suas
receitas revertidas para o futebol brasileiro, muito pobre em várias
regiões do Brasil”, diz o jornalista.

Sócrates lamenta o volume de recursos jogados fora pela falta de uma
política esportiva de Estado. Para ele “o esporte deveria ser um braço
da saúde e da educação. Se não ele fica solto” e aponta a deficiência
dos cursos de Educação Física: “não há um que trate o esporte com viés
comunitário. É tudo individualista”.

E há mais. Quem quiser saber basta entrar no site da TV Câmara, clicar
em “conhecer os programas” e depois no VerTV. Lá revela-se um pouco do
que a TV comercial teima em ocultar.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de
Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle –
A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

No comments:

Post a Comment